Contra o racismo e a xenofobia, recusamos o silêncio
Exmo. Sr. Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa,
Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República, Augusto dos Santos Silva
Exmo. Sr. Primeiro-Ministro, António Costa,
Exmo. Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, José João Abrantes,
Exmo. Sr. Ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro,
Exma. Sra. Ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva,
Exma. Sra. Procuradora-Geral da República, Lucília Gago
Exma. Sra. Secretária de Estado da Igualdade e Migrações, Isabel Almeida Rodrigues,
Exmo. Sr. Presidente da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial, José Reis,
Exma. Sra. Presidente do Observatório do Racismo e Xenofobia, Teresa Pizarro Beleza
Em janeiro de 2023, Portugal foi confrontado com notícias relativas a ataques contra. imigrantes, em Olhão, praticados por jovens portugueses que, durante um mês, terão
agredido 15 imigrantes de origem asiática. Quando ainda se pensava estarmos perante um ato isolado, o Ministro da Administração Interna descreveu o ato como uma “agressão bárbara”, um “comportamento inadmissível e inaceitável” que deve ser “exemplarmente punido”. O Presidente da República (PR) deslocou-se a Olhão, manifestando “repúdio indignado” por agressões “xenófobas e intolerância inaceitáveis”, pedindo desculpa à vítima das agressões, declarou que “não há nada que justifique esse tipo de tratamento desumano, antidemocrático e criminoso, que não pode ser aceite na sociedade portuguesa”.
No início de fevereiro de 2023, no Bairro da Mouraria em Lisboa, duas pessoas morreram e 14 ficaram feridas na sequência de um incêndio que deflagrou num prédio. Todas as vítimas eram de origem asiática, levando o PR a afirmar que “num momento em que a economia portuguesa apela à vinda de imigrantes por falta de mão-de-obra, tem de se ter noção que isso implica estruturas adequadas para acompanhar aqueles que chegam e para evitar situações extremas”.
Nos últimos anos, foram sendo desmanteladas redes de associação criminosa, tráfico de
pessoas, auxílio à imigração ilegal, angariação de mão-de-obra ilegal, extorsão,
branqueamento de capitais, fraude fiscal, ofensas à integridade física, posse de arma de
fogo e falsificação de documentos, ligadas ao aliciamento de imigrantes para trabalhar em. explorações agrícolas, nomeadamente da zona do Alentejo. Os crimes praticados contra imigrantes chegaram às forças de segurança, levando sete militares da GNR a ser
acusados de um total de 33 crimes relacionados com maus-tratos a imigrantes em Odemira.
As imagens dos agentes que filmaram os atos humilhantes e as agressões das vítimas,
trabalhadores imigrantes provenientes do sul da Ásia, revelaram, segundo o Ministério
Público, um “ódio claramente dirigido às nacionalidades das vítimas e apenas por tal facto e por saberem que, por tal circunstância, eram alvos fáceis”.
No dia 5 de novembro de 2023, Gurpreet Singh, de nacionalidade indiana, foi o alvo fácil, vítima de um ato de violência extrema em Setúbal, morto com um tiro de caçadeira no peito que foi disparado através de uma janela, no rés do chão e virada para a rua. A vítima mortal estava no seu quarto, naquele domingo à noite, na casa partilhada com outros cinco. imigrantes. Os dois suspeitos da execução do crime, de nacionalidade portuguesa, tentaram matar todos os ocupantes da casa por motivação racista.
Os exemplos podiam continuar, porque há muitos. É manifesto que, nos últimos tempos, a comunidade de imigrantes em Portugal, em especial provenientes do sul da Ásia: Bangladesh, Nepal, India e Paquistão, tem sido objeto de uma campanha de desinformação e ódio, em especial nas redes sociais. Fala-se de invasão, insegurança, ódio religioso e da necessidade de mostrar que estão a mais e não são bem-vindos. As ruas de Portugal são cada vez menos seguras para as pessoas imigrantes.
Sabemos hoje, pelos órgãos de comunicação e pelas redes sociais, que movimentos de
extrema-direita estão a organizar uma ação criminosa contra os imigrantes de origem
asiática, que elegeram como alvo, para o dia 3 de fevereiro, em Lisboa, na zona do Martim Moniz e Rua do Benformoso, precisamente por serem as “ruas com mais imigrantes do país, sobretudo de origem islâmica”, reinvindicando o fim da “islamização da Europa”.
Sabemos também que a organização anunciou a compra de archotes, tochas e parafina
líquida, que tudo indica serão instrumentos usados para aterrorizar as pessoas imigrantes que por ali estiverem.
Além de profundamente racista e xenófoba, esta ação põe em causa a segurança das
pessoas imigrantes que vivem e trabalham nesta área de Lisboa. É por este motivo que vos dirigimos esta carta aberta, exigindo que todos os responsáveis políticos e institucionais façam cumprir o artigo 13.o da Constituição, o princípio da igualdade, e acionem os mecanismos processuais para que se aplique o artigo 240.o do Código Penal, relativo à discriminação e incitamento ao ódio e à violência. O objetivo é de travar a saída desta manifestação que, por se poder qualificar entre “atividades de propaganda organizada que incitem à discriminação, ao ódio ou à violência contra pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião” se constitui como incitamento ao ódio e à violência e não mero exercício da liberdade de expressão. A moldura penal para este crime é de pena de prisão de um a oito anos.
Com esta carta, pretendemos defender a segurança de todas as pessoas imigrantes
em Portugal, combater o racismo, a xenofobia, a hostilidade religiosa e o crescimento
do discurso de ódio a que temos vindo a assistir, particularmente vindo de partidos e
movimentos de extrema-direita. Queremos dar um sinal inequívoco e público de que atos e organizações sociais, políticas e partidárias racistas e xenófobas são inaceitáveis e
queremos demonstrar a nossa solidariedade para com as vítimas de todos os ataques de
ódio em Portugal.
A negação e inércia sistemáticas são o terreno fértil para a impunidade do racismo e da
xenofobia, que têm vindo a escalar e devem ser absolutamente inaceitáveis em qualquer
democracia. O silêncio das instituições é cúmplice. Não o acompanharemos nem o
legitimaremos.
Janeiro de 2024
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